William Böck Polydoro
OAB/RS 128.750
A transição da matriz energética global de combustíveis fósseis para fontes renováveis que reduzam a emissão de gases de efeito estufa, promovendo a sustentabilidade e um meio-ambiente ecologicamente equilibrado é um dos temas que mais vêm sendo discutidos na atualidade, especialmente em face da crise climática moderna. Em face de múltiplas localidades ao redor do globo que têm registrado temperaturas recordes, incêndios florestais avassaladores e enchentes destrutivas, torna-se de especial relevância a o desenvolvimento industrial e a inovação tecnológica nas cadeias produtivas nacionais – campo em que o setor privado historicamente se destaca.
Nesse contexto, o hidrogênio verde – um combustível limpo produzido a partir da eletrólise da água, isto é, a quebra da molécula da água (H₂O) por meio da passagem de uma corrente elétrica na solução aquosa, formando o hidrogênio verde (H₂V) – surge como um vetor essencial, possuindo como aplicações nos seguintes setores:
1. Transporte Pesado: pode substituir combustíveis fósseis em veículos pesados, como caminhões, trens, navios e até mesmo na aviação, abastecendo tais veículos através de células a combustível, sobretudo em segmentos onde a eletrificação direta encontra limitações técnicas ou de autonomia;
2. Serviços de Utilidade: atua na geração e armazenamento de energia elétrica renovável, podendo converter o excedente de energia produzido por fontes renováveis, como a solar e a eólica, em hidrogênio, que pode ser armazenado e reconvertido em eletricidade quando necessário. Ademais, pode o hidrogênio verde ser incorporado em redes de gás natural, sendo injetadas pequenas proporções de hidrogênio nessa rede para melhorar a qualidade do gás e reduzir o impacto ambiental associado à sua queima, beneficiando tanto o setor residencial quanto o comercial;
3. Indústria Química e Metalúrgica: atua na descarbonização de processos intensivos em energia, como a produção de aço e a fabricação de amônia, que é um insumo essencial para fertilizantes, agregando valor aos processos produtivos por meio da inovação tecnológica.
Embora a primeira usina de hidrogênio verde produzido por energia eólica tenha sido construída na Alemanha, que é um dos líderes mundiais na produção deste combustível limpo, na década de 1990, sua adoção no Brasil é relativamente recente, tendo a primeira molécula de hidrogênio verde sido produzida no Ceará em janeiro de 2023. Não obstante, a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que a produção e consumo de hidrogênio verde pelos países mais industrializados do mundo pode crescer entre quatro e sete vezes até 2050, sendo evidente que o mercado voltado a este combustível renovável encontra-se em expansão.
Desta forma, no Brasil, o impulso para a incorporação do hidrogênio verde no mercado se reflete na elaboração recente de um marco legal específico: a Lei nº 14.948, de 02 de agosto de 2024, que estabelece diretrizes para a produção, distribuição e comercialização deste combustível, além de, de suma importância ao presente artigo, fomentar investimentos e incentivar a adoção do hidrogênio verde por meio de benefícios fiscais e linhas de financiamento diferenciadas.
Instituído pelos artigos 26 a 29 da referida lei, o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) oferece benefícios fiscais comparáveis a outros regimes especiais (como o REIDI), permitindo a suspensão ou redução da incidência de tributos incidentes sobre a aquisição de máquinas, equipamentos e insumos necessários para a implementação dos sistemas de eletrólise que produzem o hidrogênio verde.
O regime impõe também o cumprimento de requisitos técnicos e ambientais rigorosos, de forma que os incentivos só sejam concedidos a projetos que demonstrem eficiência energética e aderência a padrões sustentáveis. Para participar da produção de hidrogênio renovável e beneficiar-se de tal regime, empresas devem aderir ao processo de certificação de hidrogênio prevista pela lei, onde o papel do consultor jurídico torna-se fundamental para interpretar corretamente os dispositivos legais, estruturar contratos e parcerias que permitam a obtenção dos benefícios fiscais, e auxiliar na conformidade com os requisitos de certificação e auditoria ambiental.
Destarte, a assessoria jurídica não só minimiza os riscos regulatórios, como também potencializa a competitividade das empresas que se engajam na transição para uma economia de baixo carbono. Cumpre destacar que a adoção do hidrogênio verde em processos produtivos e atividades desenvolvidas pela empresa também pode representar um diferencial de mercado significativo, especialmente para empresas com comércio centrado em exportação, tendo em vista que muitos países europeus, sobretudo da União Europeia, têm adotado critérios ESG (Ambiental, Social, Governança) como requisito para fazer negócios com empresas internacionais, precisando estas comprovar que estão comprometidas com direitos humanos e o meio ambiente.
Em suma, o hidrogênio verde desponta como um elemento estratégico tanto para a mitigação dos desafios climáticos quanto para a transformação empresarial no ambiente de negócios. O marco legal estabelecido pela Lei nº. 14.948/2024, juntamente com os incentivos fiscais e os mecanismos de financiamento de que podem dispor as empresas que adotam tal combustível limpo oferece um caminho seguro e promissor para que o setor privado atue na vanguarda da transição energética, integrando inovação, sustentabilidade e segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
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