Em outubro de 2021, escrevemos aqui um artigo intitulado “Afinal incide ou não ITBI em integralização em bens imóveis no capital social de holding?”, no qual abordamos a decisão recente do Supremo Tribunal Federal condensada no tema 796 do STF que estabeleceu o seguinte: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".
Naquela assentada, demonstrávamos que, em verdade, o STF reconhecera sim a não incidência do ITBI sobre integralização de bens imóveis desde que para bens destinados à integralização do capital social da empresa, mas essa imunidade não alcançaria a entrada de bens no balanço da empresa a outros títulos que não esse, isto é, em outras contas contábeis do passivo ou do patrimônio líquido (como reserva de lucros, ágio, etc).
Infelizmente, o que tem se visto é uma aplicação acrítica pelos Tribunais do Tema 796 no sentido de simplesmente entender que a imunidade do ITBI alcançaria o valor atribuído pelo contribuinte (se pessoa física, em regra, o valor constante na declaração de imposto de renda) e que a diferença dessa para a avaliação do fisco municipal, receberia a incidência do tributo.
Recentemente, todavia, o Tribunal de Justiça Gaúcho se debruçou novamente sobre o tema, mas focando agora num ponto não enfrentado diretamente no Tema 796 do Supremo Tribunal, ou seja, a chamada “preponderância da atividade” que seria outro critério de aplicação da imunidade do ITBI na integralização de imóveis ao capital social de empresa (via de regra, holdings patrimoniais).
É verdade que o Ministro Relator (para acórdão, eis que foi o primeiro voto dissidente) do RE nº 796.376/SC, que originou a conclusão do Tema 796, Min. Alexandre de Moraes, fez importantes distinções nesse sentido, todavia, elas não ficaram plasmadas na conclusão sintética do indigitado tema.
O cerne normativo da controvérsia é o seguinte dispositivo constitucional: “Art. 156 [...] § 2º O imposto (ITBI) previsto no inciso II: I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Esse grifo é muito importante, pois revela dois casos de imunidade constitucional para os bens imóveis que passam a ingressar no patrimônio de pessoa jurídica: (1) incorporação ao capital social de bens e direitos; (2) transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica e somente nesses casos seria analisada a chamada “preponderância de atividade”. Isto é, apenas nessas hipóteses (fusão, cisão, incorporação ou extinção de pessoa jurídica) seria aplicado o Artigo 37 do Código Tributário Nacional que assim versa:
“§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data”.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como dito, tratou desse tema em recente acórdão, publicado em 10/01/2024, nos autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 5082610-43.2021.8.21.0001/RS, julgada pela 21ª Turma Cível do tribunal em que se concluiu nesse sentido (voto do relator) oriundo de mandado de segurança impetrado pelo contribuinte:
“Como já disse em anterior julgado, AC n° 5060460-05, a ressalva prevista na parte final do inciso I do § 2º do art. 156 da CF/88 não guarda relação com a norma imunizante referida na primeira parte desse inciso (hipótese de integralização de capital), esta sim, em tese, incondicionada. Aplica-se a ressalva, em realidade, na segunda parte do dispositivo em referência, ou seja, nas transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoas jurídicas”
Assim, o Tribunal deixou evidente que em casos de incorporação de imóveis no capital social não pode existir análise de preponderância de atividade pelo Fisco Municipal para fins de incidência do ITBI.
Note-se que muitos municípios – em especial o de Porto Alegre, que foi a parte impetrada no acórdão analisado – têm enviado às holdings recém-constituídas, datas para apresentação de documentação contábil (em regra, dois anos após a constituição) para análise da preponderância da atividade.
Com tal decisão, fica afastada esse tipo de postura e ficam viabilizadas as chamadas holdings patrimoniais familiares que, em regra, possuem apenas a atividade imobiliária no seu objeto social. Esse foi inclusive um dos argumentos da parte apelante:
“Garante que a norma constitucional encerra duas situações, sendo a primeira, de imunidade incondicional, que contempla a transmissão de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, independentemente da aditividade desempenhada pela sociedade.
Pondera que, do ponto de vista material (essência), a simples movimentação do ativo dentro do patrimônio familiar, mediante contribuição de capital, não gera transferência jurídica apta a permitir a incidência do ITBI, em vista da imunidade destacada.”
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