Governança Jurídica - É preciso pensar e proteger as empresas familiares
- Dr. Dartagnan L. Costa

- 20 de out.
- 3 min de leitura

Por Dartagnan L. Costa
Advogado e Contador (https://www.dartagnanestein.com.br/corporativo)
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No Brasil, as empresas familiares representam a espinha dorsal da economia privada.
Segundo dados do IBGE, elas correspondem à imensa maioria dos empreendimentos formais e são responsáveis por parcela significativa da geração de empregos e da renda nacional. Contudo, esse protagonismo contrasta com um dado preocupante: apenas uma minoria sobrevive à transição para a segunda e terceira geração.
E o mais interessante, o principal fator dessa vulnerabilidade não é econômico, mas jurídico.
A ausência de uma governança jurídica estruturada é, hoje, o maior risco silencioso à continuidade dessas empresas. Diferentemente da governança corporativa tradicional — que é centrada em práticas de transparência e eficiência administrativa — a governança jurídica volta-se à prevenção de conflitos familiares, à organização societária e à perpetuação patrimonial. Trata-se de um sistema de normas internas, instrumentos e procedimentos que garantem previsibilidade às relações entre sócios, herdeiros e gestores.
O primeiro pilar dessa estrutura é o planejamento sucessório empresarial. Ele deve ser compreendido não como uma simples transmissão de bens, mas como uma transição de "poder" e responsabilidade. Nesse contexto, o uso de instrumentos como holdings familiares é amplamente recomendado. Mas holdings de verdade, não aquelas que são um CNPJ de administração de imóveis, sem os requisitos legais. A constituição de uma holding permite separar a gestão do patrimônio pessoal da gestão empresarial, possibilitando a centralização das quotas ou ações sob uma pessoa jurídica, o que simplifica a sucessão, reduz custos tributários e protege os ativos de litígios particulares.
Eventualmente, a doação com reserva de usufruto e cláusulas protetivas é outro mecanismo relevante. Por meio dela, o fundador pode antecipar a transmissão das quotas aos herdeiros, mantendo o controle administrativo e financeiro enquanto estiver vivo. Cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade, reversão e incomunicabilidade conferem blindagem patrimonial e evitam que disputas conjugais, endividamentos ou má gestão comprometam o negócio.
Paralelamente, a elaboração de um "Protocolo de Família", que é um instrumento jurídico de natureza híbrida — ao mesmo tempo contratual e moral — que estabelece as regras de convivência entre familiares e a relação destes com a empresa. Esse documento define critérios para o ingresso de herdeiros na administração, formas de remuneração, sucessão em cargos estratégicos e soluções para eventuais divergências. Sua adoção tem sido reconhecida pelos tribunais como legítima manifestação de autonomia privada, especialmente quando ancorada em contrato social ou acordo de sócios.
No plano societário, a revisão e adequação do contrato social e eventual formalização de acordo de acionistas é indispensável. Cláusulas de direito de preferência e quórum qualificado para determinadas deliberações funcionam como válvulas de segurança e proteção da empresa. Elas impedem a dispersão do controle, evitam decisões precipitadas e protegem a governança contra disputas políticas entre ramos familiares.
Outro aspecto técnico relevante é o planejamento tributário sucessório. A transferência de quotas, ações ou imóveis pode gerar incidência de ITCMD, IR e até ITBI, dependendo da estrutura utilizada. A correta avaliação dos impactos fiscais, associada à estratégia jurídica de doação ou integralização de capital, permite reduzir substancialmente a carga tributária, sem violar o princípio da legalidade. Um erro de estruturação, por outro lado, pode gerar autuações milionárias e a anulação judicial de atos sucessórios. Com a reforma tributária próxima, é algo que precisamos pensar seriamente.
A governança jurídica também se projeta na esfera judicial. A existência de instrumentos claros e formalizados contribui para que os tribunais reconheçam a intenção legítima de continuidade familiar e a autonomia privada como expressão da função social da empresa.
Em diversas decisões recentes, o Judiciário tem validado protocolos familiares e doações com cláusulas restritivas quando demonstrada a preservação da unidade econômica e o respeito à vontade do instituidor.
É igualmente importante destacar a função pedagógica da governança jurídica. Ela educa a nova geração de herdeiros para a responsabilidade empresarial, impondo um aprendizado institucional que transcende o mero direito de propriedade. A herança, nesse contexto, deixa de ser um privilégio e passa a ser um encargo que exige preparo técnico, emocional e jurídico.
Por fim, governar juridicamente uma empresa familiar é um ato de visão e maturidade. O fundador que se antecipa ao conflito e institucionaliza o seu legado transforma a sucessão — que para muitos é um trauma — em um processo natural e civilizado. Não foram poucas as empresas que vimos decair com uma falta adequada destas estruturações.
O futuro das empresas familiares brasileiras depende menos da força do sangue e mais da força das regras. Onde há governança jurídica sólida, há continuidade. Onde há improviso, há sucessão conflituosa.
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