Leandro Konzen Stein
Sócio-diretor
A Constituição Federal estabelece, com clareza solar, a imunidade do ITBI na integralização de bens imóveis ao capital social de qualquer tipo de sociedade:
Art. 156 [...]
§ 2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
O Código Tributário Nacional também é claro no sentido da não incidência do imposto de transmissão de bens imóveis na integralização de bens ao capital social de pessoa jurídica (notadamente, sociedade empresária):
Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I - quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito;
II - quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra.
Existe, no próprio Código, uma exceção que está prevista justamente no artigo seguinte que é a de que a empresa constituída tenha atividade preponderantemente imobiliária. Ocorre que essa preponderância não pode ser aferida na constituição da pessoa jurídica, mas apenas nos dois anos seguintes à sua constituição, pois depende da análise da sua receita. Diz o §1º do art. 37 do CTN:
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subseqüentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
Ou seja, sendo uma empresa já constituída deve-se observar os dois anos anteriores. Sendo uma empresa nova, somente após um período, é que se terá a base de aferição de receita para tornar possível aplicar, ou não, o ITBI. Nesse caso, inclusive o “período de aferição” sobe para três anos:
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
Ainda que, porventura, no objeto social da holding conste as atividades de compra e venda ou aluguel de imóveis próprios ou de terceiros, não é possível aferir, no início da constituição da empresa, se a atividade será preponderantemente imobiliária, posto que pode constar com outras atividades, como, por exemplo, participações em outras pessoas jurídicas, serviços, etc.
Assim, jamais se pode aplicar o ITBI no ato da constituição ou da integralização do capital social em imóveis, devendo o Fisco municipal avaliar o histórico da empresa e, se for o caso, após o “período de prova” aplicar, com efeitos retroativos, o tributo:
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
Recentemente, todavia, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, tem-se apresentado um entendimento que, conforme será demonstrado, é equivocado, no sentido de (1) aplicar o ITBI na integralização de bens imóveis (2) pelo excedente do valor de avaliação pelo Fisco Municipal.
O tema 796 do STF estabeleceu o seguinte: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".
Aparentemente seria uma limitação à não incidência do ITBI na integralização de bens. É certo que a base de cálculo do ITBI é o valor venal do imóvel (art. 38 do CTN) e que a avaliação é feita pelo órgão tributante, qual seja, o Município.
Todavia, é isso que o STF decidiu? Não se pode interpretar o tema sem ler o inteiro teor do acórdão que o embasou, isto é, o RECURSO EXTRAORDINÁRIO 796.376 SANTA CATARINA, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, voto vencido, e o redator do acórdão o Min. Alexandre de Moraes, primeiro voto dissidente.
O caso concreto é de uma empresa do Estado de Santa Catarina que pretendia imunidade sobre o ITBI ao incorporar bens ao seu acervo patrimonial. Ocorre, e aqui reside (no detalhe) a diferença crucial do caso concreto, a empresa tinha um capital social pequeno (o qual não foi revisto na integralização), sendo que os bens imóveis, contabilmente, não seriam incorporados ao seu capital social, mas sim à conta ágio. Como refere o voto do Min. Alexandre, a empresa “informou que (a) foi constituída em maio de 2010, com objeto social determinado para participação societária e acionária em outras empresas, e representação comercial por conta própria ou de terceiros; (b) o capital social da empresa é R$ 24.000,00, e foi integralizado mediante bens imóveis (17 imóveis) cujo valor total (R$ 802.724,00) é superior ao do capital social; e (c) a autoridade coatora se nega a emitir guia de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) com imunidade integral na transferência dos bens, conforme previsão do art. 156 da Constituição Federal de 1988 e art. 36 do Código Tributário Nacional, sob o argumento de que a imunidade atinge somente o montante do capital social da empresa a ser integralizado”.
Ou seja, o STF reconhece sim a não incidência do ITBI desde que para bens imóveis destinados à integralização do capital social da empresa, mas essa imunidade não alcançaria a entrada de bens no balanço da empresa a outros títulos que não esse, isto é, em outras contas contábeis do passivo ou do patrimônio líquido (como reserva de lucros, ágio, etc): “Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo - como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital”.
Veja-se que a discussão girou em torna da imunidade de ITBI em imóvel que fosse incorporado na pessoa jurídica não a título de integralização do capital social pelos sócios, mas sim em outras contas contábeis, como, por exemplo, no caso concreto, em reserva de capital. A conclusão do voto vencedor é nesse sentido:
No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os
imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela
qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende
constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital,
e, sobretudo, livre do pagamento de imposto.
Assim, não cabe conferir interpretação extensiva à imunidade do
ITBI, de modo a alcançar o excesso entre o valor do imóvel incorporado e
o limite do capital social a ser integralizado.
Assim, pode-se concluir:
1) O município não pode aferir a incidência do ITBI, para empresa nova, a não ser após três anos de atividade, avaliando se a receita bruta é preponderantemente (mais de 50%) advinda de atividades imobiliárias (compra e venda ou aluguel);
2) A incidência do ITBI sobre o excedente somente pode ocorrer sobre o valor venal do imóvel que exceder o valor de avaliação do imóvel DESDE QUE O VALOR DO CAPITAL SOCIAL A INTEGRALIZAR SEJA INFERIOR ao valor de avaliação dos bens imóveis.
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